Pugilistas de Ouro: Roraima revela campeƵes e vive a melhor fase no boxe nacional
- ranioralmeida
 - 15 de ago.
 - 7 min de leitura
 
Projeto social liderado pelo professor Ronaldo transforma vidas, projeta jovens campeƵes, e coloca o estado no radar do boxe olĆmpico brasileiro
Por: Gabriel Mello e Lucas Gabriel

O tĆtulo a qual Arrison se refere, Ć© do Campeonato Brasileiro de Boxe Cadete e Juvenil que acontece entre 20 e 27 de setembro deste ano em SĆ£o Paulo (SP), onde 13 atletas roraimenses participam da competição.
āEu estou mais focado. Ainda mais agora na reta final de preparação para o brasileiro. E para ser atleta, tem que estar disposto a sacrificar coisas para poder subir no pódio. Nesse caso, a gente tem disciplina que faz com que eu vĆ” melhorando. E assim eu vou para o Campeonato brasileiro, que vou defender esse anoā, completou o jovem atleta.
Outra grande promessa Ć© SĆ¢mily Negreiros, medalhista de bronze no mesmo campeonato, na categoria juvenil de 2024. Com presenƧa marcante nos treinos e uma personalidade forte, SĆ¢mily Ć© sĆmbolo de resistĆŖncia e empoderamento dentro da academia onde treina. Em Roraima ela Ć© campeĆ£ invicta da categoria.
āQuando eu comecei, a intenção inicialmente era só treinar, mas aĆ eu fui me apaixonando pelo esporte, me interessando muito e aĆ eu criei aquele interesse enorme pelo boxe. Desde entĆ£o eu comecei a me aproximar mais do esporte e aĆ eu fiz a minha primeira competição aos 12 anos, onde ganhei e atĆ© aqui eu jĆ” tenho nove vitórias em primeiro lugar na categoria em RoraimaāĀ , contou Ć reportagem.

E mesmo muito jovem, a atleta jƔ pensa em alƧar voos mais altos.
āEsse Ć© só o inĆcio da minha carreira. Eu pretendo nĆ£o só ficar no nacional, pretendo evoluir, tanto nas medalhas como chegar ao nĆvel mundial ou atĆ© mesmo olĆmpico. Eu quero crescer no esporte, eu quero ser campeĆ£, nĆ£o só campeĆ£ aqui, mas campeĆ£ em que todo o Brasil me veja como campeĆ£ā, disse.
SĆ¢mily nĆ£o precisou ir muito longe para buscar inspiração para se tornar uma grande potĆŖncia do esporte. Dentro da sua própria academia jĆ” tem o maior case de sucesso do boxe roraimense. O boxe feminino em Roraima, tambĆ©m tem seu nome no topo do pódio. Rafaela Marques Silva, ou simplesmente Rafinha, Ć© a atual campeĆ£ brasileira na categoriaq sxg elite de atĆ© 57 kg. Filha do professor Ronaldo, hoje ela faz parte da Seleção Brasileira de Boxe OlĆmpicoĀ e desponta como uma potencial representante do paĆs nos Jogos OlĆmpicos futuros.
āA Rafinha comeƧou aqui, vendo o projeto. Que na Ć©poca comeƧou na minha casa, entĆ£o, ela pegava uma luva e batia em um saco. E enquanto ela treinava, eu reparei que ela levava jeito para lutar. No entanto, ela era muito pesada. Com 11 anos, tinha 72 kg, entĆ£o a gente comeƧou a dar um treino especĆfico pra ela por causa do peso. E com 14 anos ela jĆ” era vice-campeĆ£ brasileira em CuiabĆ” e entrando na seleção olĆmpicaā, contou o professor Ronaldo.
Dessa forma, Rafinha conquistou tĆtulos inĆ©ditos e logo se tornou referĆŖncia no esporte nĆ£o só no estado, mas tambĆ©m no Brasil inteiro.
āE hoje nĆ£o Ć© só de Roraima. Ela Ć© a mulher mais vitoriosa da regiĆ£o Norte. Nenhuma outra mulher conseguiu o feito dela na regiĆ£o Norte. Olha que o ParĆ” tem atleta desde 2007 no feminino. Mas a Rafinha conseguiu um feito inĆ©dito na regiĆ£o Norte. A primeira mulher campeĆ£ mundial escolar dos jogos olĆmpicos da da juventudeā, completou.

O arquiteto por trÔs da revolução do boxe roraimense
O projeto mencionado por Ronaldo Silva, ex-pugilista, professor e hoje presidente da Federação de Boxe OlĆmpico RoraimaĀ (Feborr), Ć© quem estĆ” por trĆ”s de cada medalha atravĆ©s de um trabalho incansĆ”vel. Foi ele quem criou e estruturou a federação estadual, posteriormente reconhecida pela Confederação Brasileira de BoxeĀ (CBBoxe), e que abriu as portas para que atletas locais pudessem competir em nĆvel nacional.
āO projeto social foi sempre um sonho meu. Porque eu sou fruto de um projeto social que deu certo, só nĆ£o ganhei muito tĆtulo. Mas virei um bom cidadĆ£o, virei um bom filho, virei um bom pai, virei um bom treinador. Fui treinado por grandes treinadores,Ā morei 11 anos dentro da academia do meu treinador LuĆs Pereira, que Ć© treinador do Popó, e ele foi como um paizĆ£o para mim. EntĆ£o, vendo ele fazendo o que fez por mim, eu disse āQuando eu tiver a possibilidade de ter uma academia, ela vai ser tambĆ©m um projeto socialāā, contou o professor.
Ronaldo administra duas academias: uma no centro da cidade que funciona hĆ” 20 anos, com estrutura voltada para alunos pagantes, e outra no bairro Santa Tereza, periferia da capital, onde funciona o projeto social āAtleta Livreā que atende mais de 100 crianƧas e jovens gratuitamente.
Nesse espaƧo, os alunos recebem aulas de boxe, equipamentos como luvas, capacetes e tĆŖnis, alĆ©m de apoio com cestas bĆ”sicas, tudo viabilizado por meio de doaƧƵes e aƧƵes solidĆ”rias recebidas pelo projeto. A exemplo disso, a maior parte dos alimentos sĆ£o arrecadados durante os campeonatos que a Federação Roraimense realiza durante o ano.Ā
āO recurso do projeto, ele Ć© muito pouco. Eu dependo muito de amigos e do meu trabalho lĆ” no centro, na outra academia onde Ć© pago. EntĆ£o eu jĆ” faƧo de tudo para o projeto nĆ£o fechar as portas.Ā Ćs vezes, tem atleta que passa necessidade. EntĆ£o, eu me apeguei com a alimentação. Porque eu jĆ” passei fome e passar fome Ć© difĆcil. EntĆ£o, eu nĆ£o deixo faltar alimentação, material esportivo e nem deixar o projeto fechadoā, explicou o professor.

Apesar dos bons resultados obtidos pelo projeto, e de revelar excelentes atletas como Arrison, SĆ¢mily e Rafinha, o professor Ronaldo revela algumas dificuldades enfrentadas ao longo destes 15 anos em que o projeto social funciona, principalmente pela falta de apoio governamental.
āAqui sĆ£o R$ 2.500 de aluguel todo mĆŖs. Os atletas nĆ£o compram luvas, tudo nós que compramos, um par de luva sĆ£o R$ 250, 300, um protetor de cabeƧa desses custa o mesmo. O treinador que Ć”gua e luz. EntĆ£o, o custo Ć© muito grande para manter um atleta e nĆ£o ter nada do Poder Executivo. E quando nós ganhamos algo do Governo, é passagem aĆ©rea. E nós mesmo assim temos que estar agradecendo, cobrando, adulando. Somos gratos? Claro que somos gratos porque a passagem tambĆ©m Ć© muito importante para a competiçãoā desabafou Ronaldo.
Dessa forma, quando nĆ£o tira do próprio bolso, o professor busca parcerias atravĆ©s da própria comunidade e de Ongs parceiras para manter a academia e o projeto social funcionando Ć todo vapor.Ā Ā
āĆ tudo sem fins lucrativos. EntĆ£o, a gente se preocupa muito com a cesta bĆ”sica. Eu tenho amigos como āRodriā, da Ong āMoradia e Cidadaniaā que nos ajuda. EntĆ£o tudo que eles me dĆ£o, jĆ” trago para cÔ para manter alguns atletas que Ć s vezes falta o que comer em casa. Material esportivo, como tĆŖnis, Ć s vezes a gente tem uma açãoĀ com doação de tĆŖnis. Eu falo com meus amigos, Ć s vezes nĆ£o Ć© novo mas tĆ” bom. EntĆ£o essas aƧƵes sociais elas estĆ£o sempre sendo feitas quase todos os meses e assim a gente tĆ” levando aĆĀ hĆ” 15 anos esse projeto socialā,Ā

O professor ressalta ainda a importância do esporte na vida dos jovens atletas e que o fortalecimento do boxe de Roraima em projeção ao cenÔrio nacional é resultado desse cuidado com a categoria de base da modalidade.
āEsses atletas, geralmente, chegam na minha academia, atravĆ©s dos pais levando para tirar os filhos da ociosidade, porque Ć s vezes tĆ” violento, porque Ć s vezes tĆ” indo por um caminho errado, tĆ” com uma amizade errada. EntĆ£o, atravĆ©s do boxe, daqui a pouco ele comeƧa a viajar e ver o mundo de outra forma e Ć s vezes Ć© 90%, 99% a gente nĆ£o perde mais os atletas para o mundĆ£o. Isso Ć© importante, a base realmente faz toda a diferenƧaā disse Ronaldo.
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Formação além do ringue
Além de Ronaldo, o projeto conta com a dedicação do mestre Reginaldo Miranda, que se divide entre as duas academias e ajuda a gerir mais de 100 crianças e jovens, para garantir que os treinos aconteçam com regularidade. Ele revela que ao longo dos anos, o projeto tem incentivado cada vez mais a mudança de vida dos jovens através do estudo e do esporte.
āA gente vĆŖ a maturidade e o crescimento deles, porque um garoto desses quando ele vai para uma competição nacional acaba que ele volta diferente, ele volta querendo mais, ele volta buscando outros objetivos. Se ele nĆ£o tinha um foco na vida, ele passa a ter. E o bacana de eu trabalhar da forma que eu trabalho com o Ronaldo hoje, Ć© que a gente influencia muito essa galerinha tĆ” estudandoā, disse Reginaldo.

āHoje a gente tem muitos atletas que estĆ£o se formando academicamente em medicina, medicina veterinĆ”ria, direito. EntĆ£o isso Ć© muito importante da gente estar trazendo essa galera aĆ para esse lado, tanto do esporte quanto do estudo. E esses atletas que jĆ” estĆ£o se formando aĆ academicamente, servem atĆ© de exemplo para os para os novos atletas que chegaramā, completou.
Outro grande parceiro de Ronaldo, é o seu amigo pessoal Jorge Macedo, ex-pugilista e hoje Ôrbitro de boxe. Ele é o responsÔvel por orientar de forma prÔtica e didÔtica, os atletas nas regras e condutas dentro do ringue, ajudando na preparação para as competições.
āO fato de terem Ć”rbitros devidamente cursados, treinados, influencia na qualidade do dos atletas. Por exemplo, no sparring (luta) sem um Ć”rbitro, eles nĆ£o tĆŖm todo esse conhecimento, a experiĆŖncia de ter um Ć”rbitro ali, aplicando as regras. Isso influencia demais, porque quando eles chegam numa competição onde tem um Ć”rbitro, sem esse conhecimento, sem essa experiĆŖncia de uma arbitragem nos sparrings, eles estranham muito e isso influencia o psicológico delesā, explicou o Ć”rbitro.

Com uma rede de apoio sólida e apesar de todas as dificuldades, o boxe roraimense cresce não apenas em resultados, mas em impacto social. Os jovens formados nesse ambiente saem transformados como atletas, como cidadãos e como exemplos de superação.
Enquanto novos talentos surgem nas periferias de Boa Vista, o trabalho do professor Ronaldo e sua equipe mostra que o boxe pode ser mais do que um esporte: pode ser um caminho para mudar vidas e formar pugilistas de ouro.
