Entre direitos e obstáculos: as falhas da mobilidade urbana em Boa Vista
- ranioralmeida
- 15 de ago.
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Pessoas em cadeira de rodas enfrentam desafios diários para se locomover com segurança na capital.
Por: Lucas Aires e Wesley Vieira

Para quem se locomove com cadeira de rodas, circular por Boa Vista é uma batalha diária. Rampas ausentes, calçadas desniveladas e outras sinalizações inadequadas limitam a liberdade de ir e vir e dificultam não só a mobilidade, mas também a participação ativa na vida social da cidade.
A legislação brasileira garante direitos à acessibilidade e à inclusão. O Estatuto da Pessoa com Deficiência e outras leis determinam que as cidades devem oferecer infraestrutura adequada para permitir a mobilidade e a participação plena dessas pessoas na sociedade. Mas, na prática, o cenário ainda é de exclusão. Pessoas com deficiência, especialmente cadeirantes e pessoas com deficiência visual, enfrentam dificuldades constantes para se deslocar com segurança.
Uma dessas pessoas é a cadeirante Ângela Camanho, que utiliza o transporte público de Boa Vista diariamente e enfrenta dificuldades recorrentes nos ônibus da cidade.
Segundo ela, a infraestrutura urbana da capital ignora as necessidades de quem tem deficiência. “A cidade nunca foi pensada para a melhoria dessas pessoas”, afirma, apontando que essa exclusão se reflete em todas as esferas da vida cotidiana.
Mesmo após anos de denúncias e reivindicações, a situação pouco evolui. “O poder público não dá atenção devida às pessoas com deficiência”, completa, destacando que a falta de ações concretas perpetua os mesmos obstáculos de sempre.
O relato de Ângela reflete uma realidade que se repete em várias cidades brasileiras. Em todo o país, a falta de infraestrutura urbana acessível compromete a qualidade de vida e a dignidade de milhões de pessoas.
Segundo o Censo Demográfico 2022, do IBGE, divulgado em abril deste ano, cerca de 120 milhões de pessoas que vivem em áreas urbanas no Brasil moram em ruas sem rampas para cadeirantes, o que representa 68,8% da população.
Em Roraima, a situação é um pouco menos crítica. O estado tem 15,5% da população urbana vivendo em vias com rampas, um índice ligeiramente acima da média nacional (15,2%). Os maiores percentuais estão em Mato Grosso do Sul (41,1%), Paraná (37,3%) e Distrito Federal (30,4%). Na outra ponta, Amazonas (5,6%), Pernambuco (6,2%) e Maranhão (6,4%) têm os piores indicadores.

Outro dado relevante do censo é o percentual de pessoas vivendo em ruas calçadas e livres de obstáculos. Apenas 18,8% da população urbana brasileira reside em vias com essas condições. Roraima aparece entre os dez melhores índices, com 19,5%, ainda que o número esteja distante do ideal. Os estados com os menores percentuais são Maranhão (4,7%), Piauí (4,9%) e Acre (5,6%). Já os melhores índices estão no Rio Grande do Sul (28,7%), Mato Grosso (27,4%) e Paraná (26,8 %).

A baixa cobertura de rampas e calçadas acessíveis demonstra que a maioria das cidades ainda está distante de garantir a mobilidade plena para todas as pessoas.

A conselheira Cleo Melo, do Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa com Deficiência (COEDE-RR), reitera que a situação da mobilidade urbana em Boa Vista é preocupante.
“A maioria dos bairros não tem calçadas contínuas, niveladas ou com rebaixamento nas esquinas. Isso obriga cadeirantes a andar no meio da rua, o que é extremamente perigoso”, aponta.
Ela cita bairros periféricos como Sílvio Leite, Equatorial, João de Barro e Raiar do Sol entre os mais afetados. Em regiões centrais, como Mecejana, Aparecida, Tancredo Neves, Buritis e Paraviana, o problema também persiste. Para Cleo, a aplicação das leis ainda esbarra na falta de fiscalização e na ausência de políticas públicas eficazes. “O que deveria ser regra virou exceção”, resume.
O COEDE-RR atua junto à Defensoria Pública, OAB e Ministério Público para acompanhar e fiscalizar as ações relacionadas à acessibilidade. No entanto, segundo Cleo, os avanços ainda são lentos e dependem de maior engajamento político e social.

A capital roraimense ainda tem um longo caminho até se tornar uma cidade inclusiva. A falta de infraestrutura, aliada à pouca fiscalização e à lentidão nas respostas do poder público, compromete o direito à mobilidade e à cidadania das pessoas com deficiência.
“É importante lembrar que acessibilidade não começa na rampa, começa no respeito. Se a sociedade não se movimenta junto, nenhuma lei é suficiente. A cidade que sonhamos depende da nossa atitude”, conclui Cleo.
Mais do que adaptar calçadas ou instalar rampas, a transformação exige comprometimento coletivo do poder público, da sociedade civil e de cada cidadão, para garantir que Boa Vista seja, de fato, uma cidade para todos.



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