Mortes em corridas de rua acendem alerta sobre riscos e segurança no esporte amador
- ranioralmeida
- 29 de jul.
- 6 min de leitura
Por: Ananda Sales e Lucas Castro

A morte do servidor público Cairo Lima, 42 anos, durante a tradicional Corrida Internacional 9 de Julho, em Boa Vista (RR), acendeu um alerta sobre os riscos envolvidos na prática da corrida de rua. Apesar de democrática, acessível e amplamente recomendada por profissionais da saúde, a atividade pode se tornar perigosa quando não há preparo físico adequado ou acompanhamento profissional.
Cairo chegou a ser socorrido por equipes médicas e pelo SAMU na linha de chegada, mas sofreu uma parada cardíaca e não resistiu. Infelizmente, este não foi um caso isolado.
Em 2016, também em Boa Vista, o policial militar Antônio Cardoso de Souza, 54 anos, faleceu durante uma corrida após sofrer parada cardíaca. Em 2025, já foram registradas ao menos cinco mortes em provas de rua em diferentes regiões do Brasil, todas relacionadas a paradas cardiorrespiratórias.
A corrida é mesmo para todos?
A corrida foi o esporte mais praticado em 2024, segundo o Relatório Anual sobre Tendências de Esportes do Strava, divulgado em dezembro. De acordo com os dados da plataforma, o Brasil ocupa a segunda posição no ranking global de usuários, com mais de 19 milhões de atletas registrados.
Em Roraima, esse crescimento é refletido no aumento de participantes na principal corrida do estado, a 9 de Julho. Segundo a Fundação de Educação, Turismo, Esporte e Cultura (FETEC), organizadora do evento, a edição de 2025 reuniu cerca de 20 mil corredores.
Para efeito de comparação, em 2015, o número de inscritos era de aproximadamente 5 mil. Isso representa um crescimento de 300% ao longo de uma década, evidenciando o aumento da popularidade da corrida de rua no estado.
No entanto, indo na contramão dos benefícios da prática esportiva para a saúde, casos como o de Cairo, entre tantos outros, alertam as pessoas sobre os riscos de práticas esportivas sem o acompanhamento de um especialista. Em 2025, ao menos cinco mortes foram registradas em eventos de corrida no Brasil, todas relacionadas a paradas cardíacas, segundo levantamento feito pela reportagem.

Avaliação médica antes de tudo
Se você é muito sedentário, está acima do peso, tem algum problema cardíaco, lesão ou diagnóstico de problemas no joelho ou quadril, antes de se aventurar, é importante passar por uma avaliação profissional.
O médico cirurgião e deputado estadual Dr. Cláudio Linhares utilizou suas redes sociais para fazer um importante alerta aos praticantes da corrida. Segundo ele, é fundamental realizar uma avaliação médica antes de iniciar qualquer tipo de exercício, pois somente um profissional da saúde poderá identificar, por meio de exames, possíveis fatores de risco à saúde do paciente.
"Toda atividade física deve, idealmente, ser acompanhada por um profissional. Quem deseja iniciar uma prática esportiva deve, primeiro, consultar um médico para verificar a existência de fatores de risco, como obesidade, hipertensão, diabetes ou histórico de arritmia. Por meio de exames específicos, é possível identificar riscos prévios que podem levar a eventos cardiovasculares graves. Existem diversas causas que podem resultar em uma parada cardíaca, seja durante o exercício, minutos depois ou até mesmo horas após a atividade. O ideal é seguir um plano de treino orientado por um médico", alertou.
Dr. Cláudio também reforçou a importância do acompanhamento de um profissional de educação física, responsável pelo planejamento adequado do treino, garantindo segurança tanto para atletas amadores quanto profissionais.
"Não basta querer melhorar o desempenho físico e sair praticando atividade por conta própria, sem orientação. Um mal súbito ou parada cardíaca pode ocorrer até mesmo com pessoas que se exercitam regularmente. Todos devem ter acompanhamento. As atividades físicas são extremamente benéficas para a saúde, mas precisam ser realizadas com orientação médica e com o suporte de um profissional habilitado em educação física", finalizou.

Seguindo a mesma linha de pensamento do Dr. Cláudio, o educador físico Cristian Mesquita também observa de perto o crescimento no número de praticantes de corrida de rua. Segundo ele, a popularização dessa atividade é evidente, mas muitas pessoas ainda deixam de buscar orientação profissional.
“A corrida está em evidência. É uma atividade muito popular, não apenas em nosso estado, mas em todo o país, com um número crescente de praticantes. No entanto, se não houver preparo adequado, o risco de um mal súbito é real. O educador físico é fundamental para equilibrar o nível de estresse do exercício com a aptidão física de cada indivíduo”, afirma.
Cristian destaca ainda que, durante uma maratona, atletas profissionais chegam a gastar, em média, 3.800 calorias – o dobro do necessário para manter um ser humano em repouso durante 24 horas.
“A corrida é uma atividade intensa e desgastante. Sem o preparo adequado, o praticante pode estar colocando a própria vida em risco. Ninguém simplesmente acorda e decide correr uma maratona, ou até mesmo uma prova de 10 km ou 5 km, sem orientação profissional. É essencial ter um acompanhamento competente, com treinos prescritos de forma segura. Fazer isso por impulso pode representar um risco significativo”, alerta o educador.
Do sofá à largada: corredor iniciante
A social media, Grayce Maia, de 28 anos, descobriu a corrida em janeiro deste ano. Diagnosticada com epilepsia, ela estava sedentária e encontrou no esporte uma forma de mudar de vida. Mas, logo nas primeiras tentativas, percebeu que a corrida, embora acessível, exigia muito mais que apenas calçar um tênis e sair de casa.

“Eu estava completamente sedentária. Já tinha feito musculação, mas sempre pulei o cardio. Então, eu tinha força, mas nenhum fôlego. No começo, senti dores no peito, canelite, dificuldade para respirar. Era meu corpo mostrando que precisava de cuidados”, relembra Grayce.
Diante dos sintomas, ela buscou acompanhamento especializado. Ingressou em um grupo online de corrida, que oferecia planilhas de treino e orientação remota com um educador físico especializado em corrida.
“Foi quando percebi que, mesmo sendo um esporte democrático, a corrida exige preparação. A orientação do grupo foi essencial. Fiz exames de sangue, cardíacos e até consultei minha neurologista. Descobri que mulheres corredoras precisam monitorar os níveis de ferro, por conta da menstruação e do esforço físico."
Além dos benefícios físicos, como ganho de resistência e força muscular, Grayce também notou efeitos positivos no bem-estar emocional. Desde então, Grayce participou de duas corridas oficiais – uma noturna e outra matutina – ambas com boa estrutura, segurança e suporte. Para ela, esse tipo de cuidado também precisa ser uma cobrança dos próprios atletas:
“Do iniciante ao atleta, todo corredor deve exigir ambulância, hidratação adequada, socorristas no local e horários seguros. A corrida tem que ser uma lembrança positiva. Mas sem esses cuidados, pode virar um trauma.”
Com mais consciência e preparo, Grayce hoje celebra pequenas vitórias – como correr quatro minutos seguidos ou completar um percurso sem dores – e deixa um recado para quem quer começar:
Se para Grayce a corrida foi sinônimo de recomeço, para outra corredora, que prefere não se identificar, o esporte quase terminou em tragédia. Acostumada a correr desde 2021, ela se preparava para mais uma corrida no fim da tarde, com temperatura elevada, quando desmaiou por volta do terceiro quilômetro:
“Desmaiei e tive uma arritmia grave. Outros corredores me ajudaram, e a equipe do Corpo de Bombeiros prestou o primeiro atendimento. Fui levada ao HGR. Havia uma ambulância no local.”
Ela fez exames de imagem, doppler, teste de esteira e passou por acompanhamento por meses. Não foram encontradas comorbidades nem problemas cardíacos. “O médico não achou nada que me impeça de correr. Mas o medo ficou. Eu pensava: podia ter sido comigo. Muitos não têm uma segunda chance.”
Apesar de já ter praticado corrida por anos e de ter feito todos os exames preventivos, a experiência deixou marcas profundas. “Hoje estou sedentária, mas penso em voltar para a musculação e retomar a corrida com mais cautela. Fiz tudo que era possível em exames. Só ficou o receio.”
A corredora chegou a postar nas redes sociais uma lembrança da prova do ano anterior, lamentando não ter participado em 2025. Pouco depois, recebeu a notícia da morte do corredor Cairo Lima.
“Fiquei triste por não correr este ano, mas me sinto grata por estar viva. Quando vi a notícia do Cairo, pensei que poderia ter sido eu”, afirmou.



Comentários