Crise humanitária: O Processo da migração cubana para Roraima
- ranioralmeida
- 29 de jul.
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Crise em Cuba intensifica pedidos de refúgio no Brasil; Amapá e Roraima são principal porta de entrada para migrantes que buscam uma nova vida em meio a desafios humanitários e estruturais.
Por Gabriel Mello e Lucas Gabriel

Com o avanço da crise e a fragilidade das políticas migratórias, o Brasil se vê diante de um desafio cada vez mais urgente: equilibrar o acolhimento humanitário com a capacidade de integração e atendimento dessas populações que chegam ao país em busca de proteção, dignidade e uma nova chance.
A exemplo disso, a recente peregrinação cubana em razão da crise econômica que atinge a ilha. A escassez de alimentos, combustível e energia se agravou nos últimos anos. Só em 2025, Cuba enfrentou o segundo apagão nacional, expondo ainda mais a fragilidade da infraestrutura local.
Segundo dados do Observatório das Migrações Internacionais (OBMigra), órgão vinculado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), um preocupante número vem chamando a atenção: no Brasil mais de 18 mil pedidos de refúgio foram solicitados apenas no primeiro trimestre de 2025. Desse total, os cubanos lideram, com 9.467 solicitações, ultrapassando o número de venezuelanos, com 5.794 pedidos.
Só o primeiro trimestre de 2025, já é maior que os números registrados em todo o ano de 2023 e já projeta o dobro dos registros em 2024.

A maioria desses migrantes chega ao Brasil pela região Norte, utilizando rotas terrestres que cortam fronteiras pouco vigiadas. Bonfim, fronteira com a Guiana, Pacaraima, região fronteiriça com a Venezuela e Oiapoque, no Amapá, na fronteira com a Guiana Francesa, se tornaram os principais pontos de entrada.
“Ao entrar na fronteira nem todos pedem refúgio. Então muitos deles dizem que só querem transitar no país ou só querem atravessar o Brasil, então para a maioria deles a entrada é negada. Desses que têm a entrada negada, muitos acabam retornando para o país deles ou vão tentar outras formas de atravessar a fronteira”, explicou o delegado da Polícia Federal Adolfo Pereira, chefe da delegacia de Polícia de Imigração em Roraima.
Além disso, Adolfo alega que muitos migrantes chegam à Roraima por conta própria. Entretanto, o delegado revela uma cruel prática que explora o desespero daqueles que fogem do seu país de origem em busca de uma nova vida no Brasil.
“Muitos infelizmente acabam entrando de forma clandestina. Então a gente tem em Roraima fronteira com dois países e são fronteiras, vamos dizer, terrestres. No caso da Guiana, o rio Tacutu que é um rio raso, muitos atravessam ali com ajuda de coiotes. Então a gente tem uma ação muito forte no sentido de coibir essa promoção ilegal de migração. Lembrando que os imigrantes são as vítimas desse tipo de crime. Os coiotes sim é que são os criminosos. Então a gente tenta.

Apesar de se tratar de uma crise humanitária da mesma forma como acontece na Venezuela, os migrantes cubanos enfrentam algumas dificuldades em relação à assistência que, por exemplo, cidadãos venezuelanos já recebem em Roraima.
“Aqui a gente já tem um problema muito anterior, que é a questão do refúgio, da residência e do abrigamento dos venezuelanos. Então com Cuba, é uma nacionalidade a mais para dar conta. Agora, uma vez que eles já estão aqui, a mesma estrutura de atendimento, de regularização documental, de pré-documentação e de amparo, a gente aplica também aos cubanos”, disse.
“Oficialmente, no decreto, eles não estão amparados pela Operação Acolhida. A Operação Acolhida que dá abrigamento, que dá alimentação, que faz a interiorização, é exclusiva para venezuelanos. Então, o cubano não vai ter esse tipo de atendimento. Aqui ele vai fazer somente a questão da regulação e organização migratória, vai fazer o pedido de refúgio, o juiz federal dá início no atendimento, esse pedido sobe e é instruído e decidido pelo Conadi”, completou o delegado.
Apesar da grande quantidade de solicitações de pedidos de refúgio, o reconhecimento oficial como “refugiado” ainda é restrito. Das 3.292, apenas 324 solicitações foram aprovadas até março deste ano, além de 24 vistos concedidos a familiares. A maioria dos processos é arquivada, indeferida ou extinta por falta de comparecimento dos solicitantes das entrevistas ou por não renovarem os protocolos.

Quando falado no contexto do atual cenário nacional, Cuba lidera no número de solicitações de refúgio. Por outro lado, em Roraima, o cenário já é o inverso. Se tratando de pedidos de refúgio com estadia para o estado, Venezuela segue na liderança em número de solicitações.
Ao todo, das 7.506 solicitações registradas no estado entre janeiro e março deste ano, foram 4.162 pedidos venezuelanos contra 3.363 de cubanos e, outros 208 pedidos foram feitos por migrantes de 25 países diferentes.

Além de Roraima, Amapá, com 3.808 registros, São Paulo com 2.284, Amazonas com 1.025 e Paraná com 1.005 solicitações, completam a lista dos estados que mais receberam pedidos de refúgio.

Essa nova onda migratória cubana vem sendo acompanhada desde 2022, quando os números começaram a subir de forma expressiva. Naquele ano, o país registrou cerca de 7,6 mil pedidos. Em 2023, esse número saltou para 13,1 mil, mais do que os registrados em 2013, durante o auge do programa mais médicos.
Razões por trás da crise migratória
Segundo a Reuters, Cuba enfrenta uma grave crise econômica e social há mais de cinco anos, agravada pela pandemia de COVID-19, sanções dos Estados Unidos e falhas estruturais do próprio sistema político e econômico do país. Em meio a esse caos socioeconômico, está a população cubana, que sofre com a escassez de alimentos, medicamentos, combustíveis e apagões frequentes da rede elétrica.
Além disso, a repressão à manifestação e a falta de liberdades civis têm aumentado o descontentamento popular.
“Esse pedido de refúgio aqui no Brasil tem diferentes motivos. Segundo eles [migrantes cubanos], dizem que são econômicos, outros relatam que não há muito tempo que aconteceu um furacão que complicou mais a situação da população em Cuba. Esses são alguns dos fatos, os principais motivos para querer sair de lá”, disse Luis Rodrigues, analista social do setor da documentação do Serviço Jesuíta a Migrantes e Refugiados (SJMR).
Dessa forma, a ajuda humanitária, tanto na crise na Venezuela, como em Cuba, tem sido a principal ferramenta de apoio e integração aos solicitantes de refúgio. Como é o caso da SJMR.
Presente em 50 países e especializado em migração, deslocamento forçado e refúgio, o Serviço Jesuíta a Migrantes e Refugiados (SJMR) tem ajudado milhares de pessoas com a prestação de serviços gratuitos, intervenções emergenciais, proteção, projetos de educação, integração, apoio psicossocial e pastoral.
A instituição atua em favor de um maior acolhimento e hospitalidade da sociedade brasileira aos migrantes e refugiados, promovendo e protegendo sua dignidade e direitos e acompanhando seu processo de inclusão e autonomia.
“A gente informa o que é um CRAS, um CREAS, mas também acesso aos serviços públicos, por exemplo, de saúde, de educação para as crianças. Então, a gente sempre busca deixá-los o mais bem informados possível, porque a partir dessa informação eles vão conseguir ter uma integração de fato. Não só econômica, mas também social. Então, dar essa orientação também é muito importante”, explicou Thaisa Girão, Coordenadora de Projetos da SJMR em Boa Vista.

Diante desse cenário, muitos cubanos deixam o país em busca de melhores condições de vida e liberdade. O Brasil tem sido um destino buscado por causa da facilidade relativa de entrada por vias terrestres pela América do Sul, da presença de comunidades cubanas já estabelecidas e da possibilidade de pedir refúgio por razões humanitárias, como perseguição política e crise socioeconômica extrema.
Dessa forma, famílias inteiras passaram a procurar abrigo no Brasil, através de Roraima.
“No ano passado, entravam muitos solteiros e casais com filhos. Já no final do ano passado, chegaram muitos grupos familiares e muitos profissionais da saúde. E agora, tá chegando muitas crianças e idosos também”, explicou Luis sobre o perfil demográfico dos migrantes cubanos.
“A maioria deles tem família em outro estado e quer continuar viagem para outro estado, mas muitos estão ficando aqui, porque já tem família morando aqui em Roraima. Aí decidem ficar aqui, mas esse processo não está sendo através da interiorização, é por conta própria”, completou.
Muitos migrantes também utilizam o Brasil como rota de passagem para os Estados Unidos, mas as recentes políticas de deportação em massa adotadas pelo governo Trump, têm feito com que muitos reconsiderem seus destinos e acabam permanecendo em solo brasileiro, ainda que de forma provisória.
