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‘All In’: entre a prosperidade das Bets e o aumento da dependência entre seus jogadores

Por: Lucas Gabriel e Gabriel Mello


Enquanto o entretenimento das apostas fatura bilhões por ano, brasileiros se afundam no vício dos jogos de azar e ficam cada vez mais endividados em razão das Bets


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Divulgação/ bluecinema /Getty Images


Nos últimos dois anos, o Brasil testemunhou um crescimento gigantesco no setor de apostas online. Um fenômeno que foi chegando aos poucos, até que dominou todos os lugares possíveis, desde propagandas televisivas a estampas em camisetas de times de futebol.


Esse comportamento se deu por vários fatores. Seja impulsionado pela regulamentação parcial do setor ou por estratégias agressivas de marketing, a novidade tomou grandes proporções pela web. E como toda novidade que surge em meio a internet, as apostas online se tornaram febre no Brasil, e logo se consolidaram como uma das principais atividades virtuais do país.


Foi assim com a estudante Luciana Gabriele. Hoje com 22 anos, ela começou a jogar aos 18. Apaixonada por futebol, logo foi introduzida à influência da propaganda das casas de apostas esportivas e por diversão, viu uma forma de usar dos conhecimentos para ganhar um dinheiro extra


“Eu comecei a apostar em 2021, e acredito que o ano que mais apostei foi o de 2022. Praticamente todos os dias eu apostava, e com mais frequência ainda no final de semana. Eu nunca me deixei apostar muito dinheiro em uma única aposta, acredito que eu já tenha gastado no máximo 500 reais”, contou.


Entretanto, a sensação de diversão logo deu espaço à ânsia de estar cada vez mais próxima da certeza de ganho, através de uma adivinhação baseada na expertise, abrindo perigosamente as portas ao vício.


“Durante dois anos, eu sentia quase como uma obrigação apostar. Às vezes, apostava em campeonatos que nem assistia, apenas por já ser rotina. Esse ano eu reduzi a frequência em que aposto, deixei para apostar somente aos finais de semana, ou quando há vários jogos no dia. ⁠Ganhar uma aposta é sempre bom, porque além do dinheiro, traz a sensação de certeza que você tinha sobre tal resultado. E quando perde, tem um estresse e uma frustração”, relatou a estudante.


Assim como Luciana, milhões de usuários das plataformas de casas de apostas esportivas movimentam as engrenagens de lucro que estão por trás da exploração desse novo mercado.


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  Luciana Gabriele conferindo odds em um app de casa de apostas - Foto: Lucas Gabriel)


De acordo com o estudo “CNPJs do Brasil”, realizado pela BigDataCorp, o número de empresas cadastradas como casas de apostas online, saltou de 840 em 2022, para 2100 em 2024. Já as casas de apostas esportivas, popularmente conhecidas como “Bets”, saltaram de 79 para 239 no mesmo período. Isso representa um crescimento de 153% no comparativo.


Ao todo, o setor já acumula mais de R$12 bilhões em capital social declarado por empresas com atividade de apostas esportivas no Brasil.


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Perfil de apostadores


De acordo com o estudo "O efeito das apostas esportivas no varejo brasileiro”, realizado pela Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC), um dado surpreendente foi revelado. Assim como Luciana, o perfil demográfico de apostadores é liderado por mulheres, com 52%, enquanto homens representam 48%.


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Entre os apostadores entrevistados, adultos entre 35 e 44 anos e jovens entre 25 e 34 anos, lideram a faixa etária dos que mais apostam em “Bets”. Seguidos pelos adultos entre 45 e 54 anos e jovens de 18 a 24 anos, e por último, adultos entre 55 e 64 anos e idosos acima dos 65 anos.


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Além disso, o estudo levantou um preocupante dado. A classe econômica de maior predominância no ramo das “Bets” é a classe C, representando quase metade dos apostadores, seguido da classe D/E, classe B e por fim, a classe A com.


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Já a pesquisa “Análise técnica sobre o mercado de apostas online no Brasil e o perfil dos apostadores”, realizada pelo Banco Central (BC), aponta que o valor médio mensal das transferências aumenta conforme a idade: para os mais jovens, o valor gira em torno de R$ 100 por mês, enquanto para os mais velhos o valor ultrapassa R$ 3.000 por mês, de acordo com os dados de agosto de 2024. 


Ainda em relação ao perfil dos apostadores, estima-se que, em agosto de 2024, 5 milhões de pessoas pertencentes a famílias beneficiárias do Bolsa Família (PBF) enviaram R$ 3 bilhões às empresas de aposta utilizando a plataforma Pix, sendo a mediana dos valores gastos por pessoa de R$ 100. Dessas pessoas apostadoras, 4 milhões (70%) são chefes de família (quem de fato recebe o benefício) e enviaram R$ 2 bilhões (67%) por Pix para as bets


O outro lado da moeda


Paralelamente, esse fenômeno tem gerado preocupações significativas quanto ao aumento de casos de ludopatia (vício em jogos de azar), afetando especialmente as populações mais vulneráveis. A psicóloga Camila Barbosa explica alguns dos fatores que contribuíram para esse aumento.


O aumento se dá por vários fatores. O principal é o fácil acesso às plataformas e a divulgação. Além disso, na pandemia, passamos muito tempo isolados e com tempo livre, e aí acabou que uma coisa juntou com a outra”, disse a especialista.


Camila explica ainda, um pouco sobre como as Bets conquistaram cada vez mais espaço nos meios digitais, através do perfil dos apostadores e prendendo seu público-alvo.


“Eles usam influenciadores, falam coisas legais, mostram dinheiro, seduzem as pessoas. Principalmente as pessoas que estão em situação de vulnerabilidade, as pessoas com dificuldade de arranjar um emprego, por exemplo”, explicou a psicóloga.


“Hoje as Bets estão em todo lugar: evento esportivo, reality show, rede social, tudo tem uma casa de aposta, com algum influenciador para falar sobre isso. E aí cria-se a falsa ideia de que apostar é algo tranquilo, algo inofensivo, que não tem problema, quando de fato destrói famílias”, complementou.


A Ludopatia é reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) desde 2018 e é registrada na Classificação Internacional de Doenças (CID) como jogo patológico e mania de jogo e apostas. 

Além disso, o Ministério da Saúde aponta que o número de pessoas com dificuldades de parar de apostar tem aumentado rapidamente nos últimos anos e que 1,5% da população do país sofre de algum transtorno relacionado ao vício em jogos de apostas online.


“É um ciclo que é muito desgastante, a pessoa aposta para tentar ganhar e aí quando perde, ela aposta mais naquela ideia de que ela vai conseguir ter aquele dinheiro de volta e quando ela ganha, ela quer apostar mais porque ela viu que ela conseguiu ganhar. Então se torna um ciclo cada vez mais difícil de sair”, comentou a psicóloga.


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Psicóloga Camila Barbosa durante uma palestras sobre saúde mental - Foto: Divulgação/ Arquivo pessoal


Até agosto de 2024, o Departamento de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas, do Ministério da Saúde, detalhou que 896 brasileiros foram atendidos pela rede pública para tratamento pelo SUS para casos de “jogo patológico”. E pelo desenrolar do cenário, ao longo dos próximos anos, é um número que infelizmente tende a aumentar e gerar sobrecarga ao sistema de saúde brasileiro.



“Preparado a gente sabe que [o SUS] não está, porque falta capacitação, falta assistência, e falta conhecimento. Como é algo recente, precisamos entender o que está acontecendo com essas pessoas e tentar entender também a movimentação das plataformas. Hoje o CAPS já trata a ludopatia como um transtorno relacionado à dependência, porque querendo ou não é um vício e é um problema tão grande quanto álcool, drogas e outras dependências”, alertou a psicóloga.


Escute a resposta da psicóloga na íntegra


O endividamento dos jogadores


Dados divulgados pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), confirmando os impactos negativos, na economia do país e no orçamento das famílias, dos jogos de apostas online sem regulação. O levantamento mostrou que mais de 1,3 milhão de brasileiros ficaram inadimplentes no primeiro semestre de 2024 devido a apostas em cassinos online, boa parte utilizando o cartão de crédito de forma descontrolada.


De junho de 2023 a junho de 2024, as perdas decorrentes das apostas somam em torno de R$24 bilhões.


Neste cenário, o estudo realizado pela Revista Ibero-Americana de Humanidades, Ciências e Educação, através do Instituto de Pesquisas, Sociais, Políticas econômicas (Ipespe) em conjunto com a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) e da Confederação Nacional das Instituições Financeiras (CNF), revela que 40% dos entrevistados dizem que familiares ou pessoas próximas fizeram dívidas por conta das apostas e destes 45% tiveram sua qualidade de vida ou da família afetada em função dessas dívidas. 


Nesse sentido, a pesquisa desenvolvida pelo Ipespe em parceria com a CNF e a Febraban demonstra que o meio de pagamento mais utilizado é o pix com 79% e em segundo lugar o cartão de crédito com 24%, e com 18% o cartão de débito e 17% fazem transferência bancária.


Entretanto, o estudo realizado pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) em associação com Offerwise Pesquisas e disponibilizada por CDL Pontes e Lacerda, aponta que além do impacto financeiro, as apostas estão afetando o convívio familiar, as relações sociais e os vícios que esses jogos podem adquirir.


Em relação como as apostas impactam na vida social dos consumidores, 30% declaram que os jogos e/ou apostas esportivas têm ou tiveram alguma influência na sua vida neste período


Dentre elas, as causas mais citadas foram:

  • a queda de produtividade no trabalho (11%) 

  • endividamento (11%)

  • ausência nas responsabilidades familiares (10%)

  • indícios de vícios como alívio no momento do jogo (10%) 

  • irritação quando não estão jogando (9%).


É válido ressaltar que 68% não percebem ou admitem os impactos dos jogos na sua vida. 


A realidade do endividamento em decorrência das Bets é um problema dentro da sociedade, pois a mencionada pesquisa demonstra que 11% dos consumidores estão endividados em decorrência das apostas. Logo, o problema ocasionado por essas plataformas ultrapassa a esfera financeira, pois impacta até mesmo o emocional desses jogadores, o que é tratado como uma forma de lazer se transforma em um problema que afeta tanto as relações sociais quanto o psicológico desses indivíduos. 


 
 
 

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