A quebrada também treina: atividade física nas praças e bairros de Boa Vista
- ranioralmeida
- 2 de jul.
- 4 min de leitura
Como moradores de Boa Vista estão criando rotinas de treino em espaços públicos, vencendo os obstáculos do custo de vida e da falta de acesso a academias privadas.
Por Vinícius Santos Picanço

A prática de atividade física tem crescido em Boa Vista (RR). As academias privadas seguem cheias, mas a realidade é outra para uma parcela da população, onde o alto custo de vida dificulta manter uma rotina de saúde com regularidade.
Com o aumento da inflação e o preço dos alimentos, nem todo mundo consegue pagar por um plano de academia, incluindo um personal trainer, suplementação e alimentação balanceada. Ainda assim, é nas praças que a saúde ganha corpo.
Entre passadas, barras, alongamentos e pesos improvisados, os moradores da cidade estão criando suas próprias formas de resistir ao sedentarismo, mesmo sem equipamento de última geração, sem personal trainer e sem dinheiro sobrando.
O que falta em estrutura, sobra em vontade: Boa Vista pode estar longe dos grandes centros fitness, mas o movimento pela saúde não deixa de ser uma escolha para quem deseja mudar de hábito ou até de vida através da atividade física.
Quando correr muda tudo

Se para muitos a falta de estrutura é um obstáculo, para outros, é justamente a força interna que empurra o corpo pra frente. É o caso de Stéfanny de Lima, assistente administrativa que encontrou na corrida um caminho para se conhecer melhor.
“Sempre gostei de esportes, mas a corrida era algo esporádico. Só em 2024 eu decidi focar mais na minha saúde. Entrei em um grupo de corrida e nunca mais parei.”
Treinando em praças e ruas de Boa Vista, ela passou a construir metas pessoais, e, aos poucos, superou limites físicos e emocionais.
“Eu não conseguia correr 5 km sem caminhar. Treinei para isso e consegui. Depois vieram os 10 km, a meia maratona... A corrida me mostrou que sou capaz de realizar qualquer coisa.”

Mas não é fácil manter a rotina. Ela fala sobre os principais desafios:
“O cansaço do trabalho pesa. Se você não dorme e não come bem, o treino não rende. É uma luta diária com a mente.”
Para Stéfanny, correr é mais do que exercício: é libertação.
“Sinto liberdade, superação e alívio do estresse. É como se eu pudesse conquistar o mundo logo depois.”
O que dizem os especialistas?
A prática regular de exercícios físicos, mesmo fora de academias tradicionais, já traz benefícios significativos para o corpo e para a mente. Segundo o professor de Educação Física Léo Franceschi, o mais importante é sair do sedentarismo:
“Todo exercício ajuda a tornar o corpo mais funcional. Mesmo com movimentos simples, você já tem ganhos como queima de calorias, melhora do perfil glicêmico, redução de triglicerídeos e colesterol”, explica.
Ele também ressalta o impacto social e emocional da prática em grupo ou em espaços públicos:
“Você se conecta com outras pessoas, troca experiências e melhora a saúde mental. Isso também contribui para o amadurecimento pessoal, que é uma parte pouco falada, mas essencial.”
Franceschi reforça ainda que é possível ganhar força, resistência e condicionamento com exercícios feitos ao ar livre.
“Talvez não se tenha tanta variedade quanto numa academia, mas a resistência melhora bastante com treinos consistentes. E os ganhos de força podem ser grandes até atingir um platô, o que pode demorar anos ou até nunca acontecer.”
Sobre o condicionamento físico, ele destaca:
“Se a gente pensar em capacidade respiratória e cardiovascular, treinos livres, como corrida ou circuitos em praça, podem até gerar mais resultado do que treinos fechados.”
Na praça do bairro Buritis, a saúde ao ar livre tem dia e hora marcada.

No bairro Buritis a prefeitura mantém um programa voltado para a terceira idade, com atividades físicas gratuitas realizadas sob orientação profissional.
O grupo se reúne todas as segundas, quartas e sextas-feiras, às 7h da manhã, transformando a praça em um espaço de convivência, autocuidado e movimento. “Algumas pessoas não conseguem pagar por uma academia, uma aula de natação, aí isso daqui é bom para nós’’, conta a aluna Vânia Silva.
De acordo com o Guia de Atividade Física para a População Brasileira, pessoas idosas devem praticar, pelo menos, 150 minutos de atividade física moderada por semana. Além disso, é recomendado que atividades de força e equilíbrio sejam realizadas em dias alternados, justamente para prevenir quedas e fortalecer a autonomia na velhice.
Saúde não mora só na academia
Entre a orla, a praça e o asfalto, moradores de Boa Vista seguem se movendo — não por luxo, bem-estar e escolha.
Histórias como a de Stéfanny, que descobriu força correndo sozinha, e de Vânia, que se mantém ativa nas academias populares da prefeitura, mostram que a saúde pode (e deve) ser acessível.
Com ou sem aparelho moderno, o corpo pede movimento. E em cada bairro, há alguém fazendo o melhor com o que tem. A quebrada também treina. E vai continuar em movimento.



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